Como estar diante do labirinto de Escher ou do espelho de Magritte, poesia é desequilíbrio, um tiro ensurdecedor e repentino na madrugada fria e silenciosa de uivos e rangidos
Na poesia mais recente de Ferreira Gullar não há mais o ímpeto verbal dos anos de exílio, como no Poema sujo (1975), artefato poético capaz de incendiar prédios, nomes e regimes políticos e estéticos. No entanto, o espanto diante do mundo agora coaduna com os conflitos do artista com seu instrumento de expressão, mas tendo a mesma inquietação e o mesmo empenho artístico de quem não se cansa de penetrar na essência das coisas.
“o poema
antes de escrito
não é em mim
mais que um aflito
silêncio
ante a página em branco”
(Em alguma parte alguma, 2010)
Gullar já revelou em várias ocasiões que a sua poesia “nasce do espanto”. Assim também é a poesia diante de seu leitor: espantos, suaves ou espasmódicos espantos. É frequente, inclusive, entre estudiosos de literatura, a resistência cerrada diante da composição poética, e a questão, na maioria das vezes, não é apenas de gosto, como alguns preferem encerrar qualquer possibilidade de repensar uma posição. Às vezes, resulta da nossa paralisia diante do inesperado,...