Dos buracos de tatu à literatura, à música, à filosofia, só a inutilidade e a gratuidade dos gestos excessivos e da linguagem generosa podem nos ajudar a reencontrar o outro
Em viagem recente à Amazônia, saímos para desbravar um pedaço quase virgem da floresta, orientados por um guia local. O grupo consistia majoritariamente de paulistanos, estrangeiros àquele lugar, quase todos curiosos e atentos a tudo o que o guia mostrava: a madeira de onde se extrai um perfume famoso, como fazer fogo com pedras, uma planta que serve para curar malária, outra que ajuda nas dores de cabeça, uma árvore de onde sai uma seiva semelhante à goma de mascar e com a qual as crianças brincam, deixando ali uma cuia onde a goma escorre, formando um caldo elástico e saboroso. Vimos também pássaros, macacos e, despercebidamente, sem fazer caso, Juraci nos mostrou uma toca de tatu. Era um nada. Um buraco cavado no mato, pequeno, feio e vazio. Não sei explicar por quê, embora desconfie, mas me identifiquei imediata e completamente com o buraco da toca do tatu e comecei a fotografá-lo. Nada que ninguém, vendo a foto, consiga...