José Luiz Tavares assume, neste volume, a primazia da metapoética, isto é, do discurso poético sobre o próprio fazer poético. E, como se viu, é complementar da inquirição sobre a existência e condição humana. É por isso que uma parte significativa do começo deste novo livro é composta por textos saídos de Agreste matéria mundo, aquele que mais demoradamente, logo a partir do título, interrogava a questão fulcral da escrita, do ser no mundo da palavra, do seu fazer situado no mundo ou em relação com ele: o ofício, a atividade, a consciência ou intempestividade do labor, a sua verdadeira estranheza
1 – O livro Contrabando de cinzas (Revisitação & Súmula), de José Luiz Tavares, publicado em 2016, em São Paulo, pela editora Escrituras, é, segundo as próprias palavras insertas no subtítulo, uma revisitação da sua obra, capturando o que nela pode ser apresentado como súmula de um percurso de escrita.
A imagem do “contrabando”, muito cara a certos poetas irónicos (o angolano David Mestre teria gostado dessa palavrinha), condiz ajustadamente com a perícia de fintar as significações pré-estabelecidas no dicionário e chegar mais além da linguagem, onde o sentido se instaura na mente do leitor. Esse é um contrabando de “cinzas”, ou o que resta das palavras e do real, muito aquém de factos (da chamada realidade). Convém, pois, relembrar sempre a psicanálise de Lacan, segundo a qual o real não penetra no texto, e é evidente que Tavares, embora convoque referentes do “mundo”, tem consciência da difícil circulação entre os membros do quadrinómio mundo-poeta-palavra-leitor.
A sua poesia não fala de outro...