Literatura não se reduz à tecnologia do alfabeto, por assim dizer; antes ela remete ao ato de conferir sentido ao caos do dia a dia por meio da fabulação, ou seja, através da narrativização das coisas. As palavras, aqui, valem porque pesam em todos os registros – da anedota à epopeia, do provérbio ao romance, da oralidade à escrita. Nesse sentido, e sem exagero algum, o “direito à literatura” pode – no fundo, deve – ser considerado tão básico quanto o direito à existência. Não é apenas o exame que justifica uma vida, mas também a habilidade em traduzir o universo em palavras próprias.
Em texto merecidamente célebre, “O direito à literatura”, Antonio Candido sublinhou a centralidade do literário na constituição da pólis. É importante atentar à acepção que o crítico empresta ao conceito de literatura, pois não se trata da ideia tradicional e estreita do século XIX de “arte verbal escrita”. Pelo contrário, sua compreensão, muito mais generosa, tem ânimo antropológico:
Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas...