Desacelerando a leitura

Foto: CortÃ¡zar. Do livro Autonautas da cosmopista. Fundo Aurora BernÃ¡rdez. ReproduÃ§Ã£o

2019-12-02

O poema coloca-me numa disposição decididamente digressiva, que chamo de “pensatividade”. Não leva, entretanto, à dispersão sonhadora do “mundo da lua”, mas à atmosfera belicosa de Marte. Afinal, remete à antiga confrontação entre poesia e filosofia, tal como Platão a encena no Íon, diálogo que opõe Sócrates a um rapsodo especializado em dizer e explicar a Ilíada de Homero. É significativo que o interlocutor, Íon, não seja um criador de novos cantos, mas apenas um repetidor que conserva a epopeia homérica em sua prodigiosa memoria, e é capaz de atualizá-la numa performance.

Começo bem devagar. A própria disposição da mancha gráfica na página me obriga a ler lentamente, e a recomeçar várias vezes. Há espaço para respirar, muito branco entre o preto das letras, nenhuma pontuação; ao fim de quase todas as linhas, uma palavra cortada continua na seguinte. O título da série que o poema inicia também desacelera: “Zen-Riders”. Segundo a própria Josely, a quem agradeço a gentileza da resposta a minha mensagem de leitora insistente, remete a um dos muitos textos que se inscrevem no poema: Autonautas da cosmopista, livro traduzido por ela, no qual os autores, Carol Dunlop e...

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PatrÃcia Lavelle

Estreou em poesia com Bye bye Babel (7Letras, 2018, menção honrosa no Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 2016, reedição prevista em 2022). Publicou também a plaquete Migalhas metacríticas (7Letras, Megamíni, 2017). Em colaboração com Paulo Henriques Britto, organizou O Nervo do poema. Antologia para Orides Fontela (Relicário, 2018), da qual também participou com poemas inéditos. Publicou inéditos e traduções de poesia em veículos literários como a revista Cult e o jornal Rascunho, entre outros, e tem contribuído com poemas, autotraduções e traduções de poesia brasileira contemporânea para as revistas francesas Po&sie e Place de La Sorbonne. Professora do Departamento de Letras da PUC-Rio, tem livros de ensaios publicados no Brasil e na França, entre os quais sua tese de doutorado em Filosofia, Religion et histoire: sur le concept d’experience chez Walter Benjamin (Cerf, 2008), e recentemente, Walter Benjamin metacrítico: uma poética do pensamento (Relicário/Editora PUC-Rio, 2022). Os três poemas aqui publicados integram o livro de poesia inédito intitulado Sombras longas, ainda sem editora.