Durante o almoço, levo minha cadela Luna até o Jardim de São Pedro de Alcântara. Com seu desenho geométrico, ele está localizado logo abaixo do miradouro do Jardim do Príncipe Real. Esse pequeno jardim é composto de uma série de gramados bem cuidados, com uma vegetação exuberante de alho-selvagem e canteiros de flores rodeados por bustos de pedra que representam os deuses gregos e romanos. De costas para o jardim, tenho uma vista panorâmica dos bairros do leste da cidade e das águas plácidas do Rio Tejo.
Eu me mudei de Londres para Lisboa há três anos, tentando escapar da política britânica pós-Brexit e encontrar algum conforto em meio aos meus próprios conflitos internos. Meu plano era ficar somente alguns meses, mas fui prolongando minha estadia. Li Fernando Pessoa, busquei consolo nos meus sonhos e, com o passar do tempo, me reencontrei comigo mesmo nesta cidade pacata com vista para o Oceano Atlântico. No fim do ano passado, eu e meu namorado decidimos nos mudar para Beirute, algo em que já pensávamos fazer há anos, e tornou-se um plano mais sólido durante as manifestações revolucionárias que tomaram o Líbano no fim de 2019. Porém, não prevíamos o que 2020 tinha reservado – não só para Beirute, mas para o mundo inteiro -, então tivemos que mudar de planos.
Morar no meio urbano em 2020 significa testemunhar a vida sendo drenada das ruas. Hoje, Lisboa é uma cidade praticamente sem turistas. Quase metade do ramo de hotelaria está pensando em declarar falência. No pequeno jardim, jogo uma bolinha amarela acima das cabeças de Minerva e Ulisses para Luna ir buscar, enquanto sonho com outras cidades que amo: Londres e Beirute. Sei que a vida também foi drenada das ruas dessas cidades, mas é impossível imaginá-las vazias. Eu me lembro dos milhares de corpos (incluindo o meu) se acotovelando nas ruas de Beirute há apenas um ano, pulsando ao ritmo das cantorias e derretendo de suor. Eu me lembro com extrema clareza de sentir a chuva de verão na minha pele durante o festival Lovebox no Parque Victoria; lá estava eu, rodeado de amigos, enquanto a primeira onda de euforia abastecida pelo ecstasy corria pelas minhas veias. Sei que a revolução e o festival já não existem mais, pelo menos neste ano. Porém, ambos ainda estão acontecendo na minha lembrança; se não nesta dimensão, certamente em outra, na qual foram tomadas decisões mais acertadas.
No momento, passeio com minha cadela pelos bustos dos deuses gregos e romanos neste mundo encolhido. Jogo a bolinha amarela pelos campos de alho-selvagem e observo Luna, minha lua, correndo por entre arbustos e árvores. Diante de nós está a vastidão de uma cidade vazia, porém ainda viva, cujo coração continua batendo, mesmo que mais brandamente.
Tradução: Rafaela Lombardino.
Essa crônica foi publicada originalmente no portal LCB diplomatique em inglês e alemão e é apresentada na Pessoa em português como parte de uma parceria entre as duas plataformas. Confira as outras versões aqui.