Antonio Martinelli estreia coluna na Revista Pessoa em fevereiro. O poeta aposta no diálogo entre autores contemporâneos de língua portuguesa
"Descrente da solidão inocente dos criadores", o poeta brasileiro Antonio Martinelli vai convidar mensalmente poetas da língua portuguesa "para um diálogo como reação à criação, travado no afeto". Ele, que entende a poesia como sistema vivo, partirá de poemas que o levaram - como leitor - ao desejo de resposta à escrita de outras, outres e outros poetas. Uma espécie de meditação provocada, a partir da voz de outro poema, que primeiro contempla, depois rumina, depois cogita e ensaia, até que um outro poema brote.
"Sem querer ser reflexo, sem querer ser espelho", a ideia, segundo ele, é simples: "a coluna não pretende fazer decalques, exercícios de superposição nem investigar influências ou novos modelos. São poemas-respostas e nada mais. E podem ser meio tortos, uns poemas desvios que ora seguem a par e passo, ora, descarrilhados, acabem em completa degeneração."
Nesse sentido, Martinelli dá à coluna o título de Diálogos em rebento para expressar, sem grandes pretensões, a proposta de provocar, em colaboração com seus contemporâneos, a germinação de outras criações. "E se o resultado desse processo não passar de um estilhaço, ainda assim cumprirá um papel, o de dar aos leitores a possibilidade de conhecer o poema gatilho e o poema estouro", conclui.
Além, de poeta, Martinelli é jornalista e gestor cultural. Autor de Tetralogia da Peste [dois tempos, uma cidade], publicado pela N-1 Edições. Trabalhou na Revista Caros Amigos. Desde 2005, trabalha no SESC São Paulo. Foi curador e coordenador do projeto "Brasil, país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt", em 2013, na Alemanha. Participou de juris e comissões nas áreas de dramaturgia, bibliotecas e literatura.
Ouça, na voz do ator Chico Diaz, poema inédito de Martinelli.
[tormenta]
como em perversa brincadeira,
se você oferecesse
um doce
por meus pensamentos,
eu te diria:
todos os dias
busco escrever um poema
que seja um grito desesperado
[poema sem artifício]
escrever um poema
ingênuo a todos
[que não seja exibicionista]
um poema que rasgue fraquezas
[poema sem farsa]
todos os dias
busco escrever um poema
diante do espelho,
destes do acordar
em noites não dormidas
[sem mentiras ou resíduos,
sem maquiagem]
um poema cheio de tudo
o que é desprezível
de tudo que é ridículo, grosseiro,
comum.
todos os dias
busco escrever um poema
de dia útil,
apressado, atrasado,
amarrotado,
descosturado,modesto de linha à linha
[um poema sem grandeza,
que falte botões]
durante toda a vida
busco por este poema
um único que cante
a simples contradição
entre o desejo pelo açucarado
e o avinagrado da confissão
um poema que cante
a obrigação da criança
diante do pequeno prêmio:
o de revelar
a grandeza da existência
[tudo que crê tudo que treme
tenciona bate ecoa
tudo que pesa grita
emociona
desassossega]
de tudo que cisma o pensamento
do início ao fim
de uma tempestade.