Na vida de Frederico, apenas o amor consegue escapar aos espelhamentos do eu, o amor pela mulher e o amor pelo cão. Existe uma especificidade nesse amor que não é capturado por espelhos. Um amor tipicamente contemporâneo porque continuamente ameaçado pelo tempo e porque não tem a função de preencher os buracos no peito de Frederico abertos pela falta de sentido da vida. O amor aparece como a parte não contaminada pela busca exaustiva do eu fugidio que se multiplica ininterruptamente. O amor é a única coisa que situa o narrador no mundo da vida, quando ele descobre, um pouco atônito e atordoado, que amar é sinônimo de cuidar. Cuidar de si, inclusive.
O filósofo no porta-luvas (todavia, 2021), livro recém-lançado de Juliano Garcia Pessanha, remete o leitor a um inusitado jogo de espelhos. É como se o autor-protagonista se posicionasse entre dois espelhos, um na frente do outro, e sua imagem se multiplicasse ao infinito, como réplicas de uma fuga de si.
O protagonista Frederico, o terapeuta-guru, o amigo Kazuo e o escritor podem ser lidos como desdobramentos de um mesmo, porém duplo, personagem: o autor-protagonista, tamanho grau de simbiose e complementação. Todos são, portanto, personagens complexos que permitem interpretações variadas, e a narrativa conduz o leitor para o campo filosófico por meio...