– e as flores e as abelhas já me chamam – o pior é que não sei como não ir – o apelo é para que eu vá – e na verdade profundamente eu quero ir – é o encontro meu com meu destino esse encontro temerário com a flor.
Clarice Lispector, A Descoberta do mundo.
Lembro bem o dia em que Mirna Queiroz, incansável editora da Revista Pessoa, me convidou a assumir uma coluna neste periódico. Ela tinha lido algumas postagens que eu vinha fazendo no Facebook sobre a questão das plantas e me propôs escrever a esse respeito. Em 2019, eu já estava numa fase avançada da pesquisa que iniciara sistematicamente dois anos antes. Digo sistematicamente porque, em 2012, lançara o livro Clarice Lispector: Uma Literatura Pensante (ed. Civilização Brasileira), no qual já abordava o que se tornaria um dos capítulos do livro lançado recentemente O pensamento vegetal: a literatura e as plantas (Civilização Brasileira). O capítulo é “Clarice e as plantas”.
No fundo, como tenho dito em algumas entrevistas, minha questão há anos é a relação do humano com o não humano. Tudo começou por volta de 16 anos, quando li e fiquei impactado com um poema de Carlos Drummond de Andrade, que começa dizendo: “Mas que coisa é homem,/ que há sob o nome:/ uma geografia?// um ser metafísico?/ uma fábula sem/ signo que a desmonte?”. O título bastante reflexivo é “Especulações em torno da palavra homem”, do livro A vida passada a limpo, e o longo texto é atravessado por indagações sem resposta. Mais grave ainda é a conclusão: “Mas existe o homem?”. Apesar de ainda utilizar o termo “homem” (que desde então caiu em desuso para designar a espécie, em proveito de “humanidade” ou de “humanos”), a composição drummondiana teve contundência em mim suficiente para passar as décadas seguintes tentando solucionar o “claro enigma humano”, o qual permanece até hoje sem solução à vista.
A imprensa tem tratado minha abordagem como pioneira no que diz respeito à relação entre literatura e plantas. Se na passagem do século XX para o XXI escrevi um artigo intitulado “O inumano hoje”, publicado na revista Gragoatá (da UFF), em que desenvolvia sobretudo nossa relação com os animais, tendo a ficção de Clarice como contraponto interpretativo, no projeto mais recente me importava ver essa mesma relação sob a perspectiva vegetal. E no meio das duas grandes formas de vida (animais e plantas), há também os minerais, os objetos e as coisas, sobre os quais falo também no livro citado sobre Clarice.
De 2017 em diante, passei a realizar conferências e a publicar artigos que envolviam sobretudo plantas, tendo alguns nomes autorais como referência: textos sobre Clarice Lispector, Jacques Derrida e Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), Frans Krajcberg e as plantas. O suporte teórico me vinha sobretudo do pensamento francês recente, em particular Jacques Derrida, de quem fui aluno na EHEES, em Paris, e sobre cuja obra fiz minha tese de doutorado (Derrida e a Literatura, traduzido por raúl rodríguez freire Para a editora argentina La Cebra,), mas também Gilles Deleuze, Félix Guattari e Jean-François Lyotard.
Quando o antropólogo Hermano Vianna me convidou em julho deste ano para integrar a curadoria coletiva que estava começando a montar a fim de realizar a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), não pude recusar a proposta, pois senti o chamado que vinha das plantas, como bem descreveu Clarice na crônica que fornece a epígrafe deste texto. E uma das ideias que tenho defendido é a de ser um ventríloquo para as vozes vegetais que atravessam meu corpo. Não falo em nome das plantas, mas assumo um lugar de fala vegetal, a partir do qual deixo reverberar os sons que vêm da seiva. E o título que acabou recebendo o evento deste ano expressa bem isso: “Nhe’éry, plantas e literatura”. Nhe’éry é o nome que os indígenas da etnia guarani dão à Mata Atlântica, a qual antes da invasão portuguesa no século XVI se espraiava por toda a costa atlântica brasileira e que hoje está reduzida a algumas porções remanescentes. O pau-brasil, cuja madeira era utilizada para tingir tecidos e fabricar tinta, foi nosso primeiro produto de exportação, induzindo talvez a primeira extinção vegetal por causa do extrativismo descontrolado.
A seguir, alinho algumas das ideias que tenho exposto em testemunhos à imprensa e que resumem bem o percurso até a publicação do livro O Pensamento vegetal e a realização da FLIP que terminou no domingo 5 dezembro, mas cujas mesas-redondas podem ser visualizadas em vídeos neste endereço.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro. @Evando C. Nascimento
1. As questões do ambiente e da natureza são vastas e bastante discutidas. Nós desconhecemos, todavia, como as plantas existem e funcionam biologicamente. No entanto, elas desempenham um papel fundamental em relação ao meio ambiente – que compreende os humanos, os vegetais, os minerais etc.
A planta é uma parte decisiva desse todo: ela representa 85% da biomassa do planeta. As florestas regulam a situação climática; sabemos da importância da Amazônia nesse sentido. Os vegetais são doadores de alimento, porque nenhum animal é capaz de produzir nutrientes a partir do sol, então todo o mundo animal se alimenta das plantas. Quem come carne está comendo um herbívoro que comeu vegetal.
É preciso conhecer o mundo vegetal, não basta falar genericamente de natureza e meio ambiente. A biologia foi montada em cima do modelo humano e animal, e as plantas são tratadas como cidadãs de terceira categoria: é o que se chama de antropocentrismo e zoocentrismo. Então é preciso trazê-las para o plano principal, a fim de mostrar que preservá-las é uma das primazias da vida. Sem elas, a chance de sobrevivermos é muito pequena.
2. Precisamos apreender a inteligência de sobrevivência que as plantas têm. Nós ocupamos várias partes do mundo praticamente inabitáveis: houve um momento em que a humanidade deu uma prova imensa de inteligência. Mas desde a metade do século passado, quando houve as primeiras explosões atômicas e o pleno desenvolvimento das sociedades industriais, nós nos mostramos os viventes menos sábios deste planeta, porque não somos capazes de compatibilizar avanço tecnológico com bem-estar social para todos e não apenas para uma minoria rica.
Acho que o maior aprendizado das plantas é que elas são coletivistas, colaborativas, doadoras. O humano parece querer consumir tudo agora, e azar para o que vem no futuro! Mas nós também temos essa inteligência coletivista, só precisamos nos dar conta dela. Nossos aprendizados são refinados através de muitas gerações. O humano se inventou ao longo de no mínimo 300 mil anos, quando os primeiros Homo sapiens surgiram. A inteligência humana também é coletiva, mas nós achamos que é totalmente individual. A inteligência da vida é crescer e multiplicar-se, ela quer se preservar. Reproduzir, sobreviver e se manter adequadamente pelo máximo de tempo possível, eis o objetivo das espécies viventes.
3. A literatura tem essa capacidade de nos levar a experimentar o lugar do outro, e isso é o que Clarice Lispector chama, em A hora da estrela, de intertroca. Ao experimentar intertrocar-se com o outro ou com a outra, uma pessoa não vai virar uma planta, mas vai vivenciar a experiência da planta, o sentimento da alteridade. Quando se começa a olhar para a literatura sob esse viés, descobre-se uma série de autores que trabalham com plantas, desde Esopo na Grécia Antiga, e a teoria e a crítica literária nunca prestou muita atenção nisso.
De modo geral, as plantas aparecem nas leituras críticas como simbolismo: a rosa como símbolo do eterno feminino, o lírio como símbolo da pureza. Mas o que me interessa é analisar a literatura em que a planta é protagonista. Tenho dado um exemplo que acho maravilhoso para os tempos atuais: uma fábula de Esopo chamada “A Corça e a Videira”: a corça estava fugindo de caçadores e se escondeu atrás da videira. Quando os caçadores foram embora, ela comeu as folhas do arbusto. Aí os caçadores retornaram e ela está desprotegida, pois não havia mais folhagem onde se proteger. E ela diz “Bem feito para mim, pois eu não deveria ter maltratado a videira, minha protetora!” (tradução de Maria Celeste Dezotti, Esopo: fábulas completas, ed. CosacNaify, p. 166). É o que estamos fazendo hoje, destruindo nossas protetoras, as plantas, que abrigam e alimentam os animais.
Diversos povos originários das Américas e de outras partes sempre tiveram as plantas como aliadas. Esses povos colocam as plantas e os animais dentro da sua mitologia, e não fora, como um dos elementos fundantes do humano e não como antagonistas ou subalternos. A Flip abriu este ano com cantos Guaranis. Tivemos um grupo de indígenas cantando e dançando em sua língua original. Aquilo é também literatura, literatura oral, que pode ser eventualmente transcrita na língua original ou em português, como é o caso da tradução dos “Três Cantos sagrados dos Mbyá-Guarani do Guairá”, feita por Josely Vianna Baptista (em Roça barroca, ed. SESI-SP, p. 23-85).
A relação com as plantas também aparece na literatura ocidental, porém muitas vezes de forma despercebida. Encontram-se referências a vegetais praticamente em toda a ficção de Clarice Lispector. Quase todo mundo conhece apenas um conto vegetal de Clarice, “Amor”, da coletânea Laços de família (ed. Rocco), em que a personagem Ana – uma dona de casa típica dos anos 1950, uma mulher que só tinha o lar e a obrigação de cuidar dos filhos –, vai parar um dia no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e lá ela tem uma experiência de êxtase, de reconexão com aquele ambiente vegetal, animal e mineral, com a sensorialidade que existe naquele espaço. É um redespertar da vida para o corpo de Ana, é um novo vegetar, sem o sentido negativo que se atribui a este verbo.
Na contemporaneidade, há uma série de poetas que abordam a temática vegetal, como Leonardo Fróes, Edmilson Pereira, Julia Hansen, Ana Martins Marques e a norte-americana Louise Glück, entre muitos outros e outras. Na literatura de qualquer tempo, as plantas estão presentes.
4. Algumas mitologias indígenas consideram animais e plantas como nossos ancestrais (nesse sentido, cf. o belo livro de Davi Kopenawa A queda do céu, ed. Companhia das Letras). Antes de mais nada, temos em comum com as plantas o fato de sermos fenômenos da vida, e originalmente, na história evolutiva, havia uma única forma de vida. As plantas surgiram das primeiras células que ganharam autonomia orgânica para sobreviver num ambiente muito problemático, foram essas células que deram origem a tudo o que existe. A ideia de separação entre os humanos e os outros viventes não leva em conta uma perspectiva histórica das transformações da vida na Terra.
As plantas não têm os nossos órgãos, mas têm outros mecanismos de sensibilidade: por exemplo, dispositivos celulares que permitem a captação de luz e a resposta a essa percepção. E algumas têm inclusive um tipo de “audição”, elas captam sons ao modo delas e respondem a essas sonoridades. As raízes percebem a que distância delas há umidade e se dirigem para lá. Tudo isso são formas de percepção, e desse modo elas tomam decisões fundamentais para a sobrevivência.
5. O Homo sapiens, como dito, existe há 300 mil anos, e a vida existe há mais de 3 bilhões de anos – percebe-se a enorme disparidade... O humano moderno, o Homo sapiens sapiens, existe há apenas 40 mil anos; é um segundo em termos de vida no planeta e um microssegundo em relação ao cosmos como um todo. João Cabral de Melo Neto tem dois versos belíssimos: “Viver/ é ir entre o que vive”. Não existe vida isolada, precisamos nos reconectar com a vida como um todo. O eremita que vive numa caverna vai ter que se alimentar de plantas, ou de animais; pode ter um cão de companhia, vai conviver com pássaros. Ele não vai estar sozinho nunca. Pode estar sem os outros humanos, mas vai estar sempre próximo de outros viventes para poder sobreviver.
Há muita colaboração na floresta, muita simbiose, muita troca entre as plantas e os insetos. A planta dá o néctar, o líquido açucarado, e o inseto ajuda a polinizar, a fertilizar uma outra flor. Os fungos estão nas raízes também trocando, dando proteção e absorvendo o alimento das raízes. A floresta é um conjunto de negociações, de trocas maravilhosas. Há competição, mas é menos do que se imagina. Há muito mais colaboração entre plantas, animais e até humanos, como os povos originários, do que essa competição terrível, devastadora que se criou em torno da ideia de selva selvagem. Muito se deveu a uma interpretação exagerada da “seleção natural”, proposta por Charles Darwin e hoje revista e criticada.
6. Há várias maneiras de aprendermos com a vegetação natural ou criada pelo homem. Uma delas é frequentar parques e jardins, florestas, tanto quanto possível. Quem mora em zonas urbanas sempre tem alguma área na cidade que dispõe de vegetação. A cidade mais árida sempre conta com algum abrigo vegetal.
É fundamental começar a educação florestal com as crianças. Durante a minha mesa com Stefano Mancuso na Flip, houve uma pergunta de uma educadora sobre como levar esse assunto para a escola. Penso ser decisivo que desde cedo a criança seja educada a entender minimamente a importância das plantas e que se levem plantas para dentro da escola – para a sala de aula, não só para o pátio ou jardim.
Os pais também podem ter plantas dentro de casa e o cuidado de sensibilizar o olhar dos filhos para esses viventes. A convivência diária com o mundo vegetal é imprescindível. Por que não ter uma horta se se tem um quintal? Por que não produzir seus próprios legumes e verduras? Muitas vezes não temos tempo, mas será que uma pequena horta dá tanto trabalho assim, será que não pode ser um hobby saudável? Outra ideia é adotar uma ou mais plantas como pet: se temos em apartamentos cães e gatos como bichos de estimação, por que não termos também vegetais de estimação? Assim, os pequenos se afeiçoariam desde cedo ao mundo verde, tendo a chance de se tornarem adultos fitófilos, quer dizer, amantes das plantas.
7. Sem dúvida alguma, a tecnologia está ligada à própria vida. A vida inventou técnicas de sobrevivência, a fotossíntese é uma delas. Conseguir produzir o orgânico por meio do inorgânico é uma tecnologia sofisticadíssima. E não é apenas o indivíduo como um todo que tem formas de tecnologia, as células em si também têm, elas são centros energéticos de alta sofisticação.
Não existe vida sem alguma forma de tecnologia, não é só o humano e os animais que a detém. Quando uma trepadeira, por exemplo, sobe numa grande árvore dentro da floresta, é porque ela está utilizando essa árvore, sem prejudica-la, como uma espécie de escada para atingir a luz, pois precisa do sol para sobreviver.
Há também aquela planta que chamamos no Brasil de sensitiva, Maria-fecha-a-porta, dorme-dorme ou dormideira – Mimosa pudica é o nome científico. Quando tocada, ela se encolhe toda. Foram feitas experiências desde o século XVIII com essa plantinha, e ela impressionava os botânicos porque aquela reação não é simplesmente mecânica. Se se jogar água em cima dos folículos, ela vai se fechar, mas se depois de um tempo se continuar jogando água, ela vai perceber que não é nada maléfico e vai parar de se recolher sobre si mesma. Mas se se jogar outra coisa que não seja água, ela vai se fechar, encolhendo-se como um bichinho que quer se proteger. O botânico italiano Stefano Mancuso fez essa experiência, juntamente com Monica Gagliano, em seu laboratório de neurobiologia vegetal durante um tempo e descobriu que ela pode guardar por alguns meses essa memória do perigo ou da ausência do perigo, do maléfico e do benéfico.
Há uma série de comportamentos que aparentemente são mecânicos, mas na verdade são estratégias muito inteligentes desenvolvidas pelas plantas ao longo de milhares de anos, assim como nós, humanos, desenvolvemos as nossas. Quando comemos uma fruta e jogamos a semente em algum lugar, estamos semeando inconscientemente um vegetal, ajudando-o a se disseminar. Não é por acaso que as frutas são doces e os legumes são nutritivos. É para que nos alimentemos deles e ajudemos a reproduzir essas plantas por meio da semeadura consciente ou inconsciente. É uma estratégia de sobrevivência botânica.
8. Se há uma planta que foi decisiva em minha vida, foi o cacau, exatamente por eu ter nascido na região de cultivo. O cacau é uma monocultura que depende de outras plantas para sobreviver. Se você destrói a floresta para plantar cacau, ele não vai sobreviver, porque precisa da sombra. Se receber luz solar direta, não resiste. O cacau é uma planta incrível, porque não só dá o grão que vai se tornar o chocolate, apreciado no mundo inteiro, consistindo numa fonte energética extraordinária, mas também tem a polpa que é deliciosa.
Outra planta que também me marcou foi a goiaba, porque no fundo do quintal lá de casa havia uma goiabeira sobre a qual eu me recostava para ler. A goiabeira tem uma característica maravilhosa: é quase um sofá, um divã. Ela é repousante - há uma maneira de se sentar nela, de ficar recostado e poder passar horas lendo lá em cima. Foi uma planta fundamental para desenvolver minha sensibilidade vegetal e literária ao mesmo tempo. Eu passava tardes inteiras lendo poetas como Vinicius de Moraes, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade em cima dessa goiabeira. Haveria forma mais sensível de iniciação poética?
9. O título O pensamento vegetal foi escolhido por ser provocativo. A própria editora colocou na orelha do livro: O que pensam as plantas? E podem elas realmente pensar? É um título em aberto, cada um interpreta como achar melhor, mas, como autor, eu proporia pelo menos três significações para o “pensamento vegetal”. Uma delas é no sentido de saber se as plantas pensam. Elas têm uma inteligência, que não é verbal, e têm uma linguagem própria, tomam decisões etc., seja como espécie ou individualmente. Se elas se dirigem para a luz solar ou se se afastam dela quando pode ser excessiva, se buscam a água por meio das raízes, se criam associações com pássaros e insetos, é porque têm um pensamento existencial que permite sua sobrevivência, tal como nós fazemos também. Então, sim, há um pensamento das plantas, só que não é um pensamento em linguagem verbal, mas em linguagem por assim dizer vegetal, própria ao reino e às espécies.
Um segundo sentido é o senso comum que se tem sobre as plantas. A visão que as pessoas têm de que um vegetal é algo meio morto, que é possível abater de qualquer jeito, implicando o desrespeito em relação às plantas, é algo terrível, profundamente cruel. No fundo, trata-se de ignorância sobre o universo das plantas, traduzida no que chamo de fitofobia, horror aos vegetais muito bem expresso em “a porra da árvore”, como declarou o presidente neofascista do Brasil em 2019.
E o terceiro sentido é exatamente o pensamento inovador, até mesmo revolucionário, que nós, humanos, podemos desenvolver sobre as plantas a partir da filosofia, da botânica, da literatura e das artes.
Então é fundamental fazer esse último sentido do pensamento vegetal florescer, para verdejar nossas vidas, florestar nossas cidades, criar novas paisagens urbanas – menos secas, menos estéreis, menos cimentadas e asfaltadas. Mais clorofílicas! Importa abrir nossos corações, nossas mentes e nossos corpos para que vegetalizem cada vez mais. O verbo vegetalizar não é neologismo, consta no dicionário Houaiss.
É preciso tornar nosso corpo mais vegetal, coisa que ele já é em sua origem. E isso é o que nos lembra meu colega curatorial João Paulo Barreto, da etnia tukano, num ensaio que publicou no livro da Flip este ano, “Yuku kahtiro: o corpo vegetal” (em Ensaios Flip: plantas e literatura, ed. Associação Casa Azul). Ter essa percepção íntima de que temos um vegetal dentro de nós, capaz de se comunicar diretamente, sem palavras, com as plantas, pode ser altamente dadivoso para a espécie humana.
O pensamento vegetal é uma proposta, não é um manifesto, não é uma luta propriamente em sentido bélico. É antes um desejo de que desenvolvamos um conhecimento, um saber, que já existe nos indígenas e nas culturas africanas e asiáticas, nas pessoas com essa sensibilidade, nos jardineiros, nos cientistas mais abertos às alteridades vegetais e animais.
Então, que nos unamos todos e todas e façamos o mundo florescer! Vamos transformar o planeta numa grande floresta e deixar que nossas cidades sejam invadidas por essa vegetação. Que cada um de nós cultive uma árvore, um canteiro, um vaso, sobretudo dentro de nós mesmos, naquele jardim secreto de que fala um poema de Fernando Pessoa. O porvir será vegetal ou não será, eis tudo.